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PROTEGER #24 – O desafios das doenças profissionais - Novembro de 2015
 
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Prevenção de Riscos Profissionais

DOENÇAS PROFISSIONAIS

Doenças profissionais são aquelas que resultam direta ou indiretamente das condições de trabalho, constam da Lista de Doenças Profissionais e causam incapacidade para o exercício da profissão ou, mesmo, morte. Na prática, as doenças profissionais em nada se distinguem das outras doenças, salvo pelo facto de terem a sua origem em fatores de risco existentes no local de trabalho. 

Os sintomas decorrentes das doenças profissionais são silenciosos e difíceis de detetar. Na maioria das vezes estes sintomas apenas são detetados quando a situação já se tornou irreversível, como é o caso dos constrangimentos decorrentes dos problemas músculo-esqueléticos ou da surdez.


IMPACTO ECONÓMICO DAS DOENÇAS PROFISSIONAIS

Para além de reduzir a produtividade e a capacidade de trabalho das pessoas afetadas, as doenças profissionais agravam também drasticamente os gastos em cuidados de saúde, onerando tanto os trabalhadores como o Sistema Nacional de Saúde (SNS). 

Embora nem sempre esta dimensão seja analisada, as doenças profissionais impõem grandes custos, não só em termos de qualidade de vida mas também económicos, podendo mesmo levar os trabalhadores e respetivas famílias à pobreza.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que os acidentes de trabalho e as doenças profissionais resultem numa perda anual de 4% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial em custos diretos e indiretos de lesões e doenças profissionais. Estima-se que só na União Europeia o custo das doenças profissionais se situe acima dos 145 mil milhões de euros por ano. 

 

Na maioria das vezes estes sintomas (de doenças profissionais) apenas são detetados quando a situação já se tornou irreversível.

 

O SILÊNCIO

Como não produzem sintomas imediatamente reconhecíveis e impeditivos do desempenho das tarefas (o que não acontece em situações como as que advêm dos traumas decorrente de um braço partido, por exemplo), as doenças profissionais iludem tanto o lesado como a organização relativamente à sua pertinência e gravidade.

Durante anos tem-se verificado uma proliferação de doenças profissionais nos trabalhadores no seio das organizações com repercussões a nível mundial e com elevadíssimo impacto tanto económico como na qualidade de vida das populações, que por terem pouca ou nenhuma visibilidade não têm recebido o merecido destaque no panorama mundial. 

São várias as razões que contribuem para esta realidade, podendo-se destacar não só a já referida pouca visibilidade que o assunto desperta (considerando que a doença profissional emerge silenciosamente), mas também o facto das doenças profissionais não constituírem um ónus direto para as empresas, uma vez que será a Segurança Social, e consequentemente a sociedade, a assumir o prejuízo, ao contrário do que acontece com os acidentes de trabalho que são totalmente assumidos pela empresa ou pela companhia de seguros contratada para o efeito. Ao nível das causas relacionadas com as doenças profissionais, chegam mesmo a ocorrer mortes decorrentes das condições de trabalho sem existirem responsabilidades apuradas nas empresas por dificuldade de relacionar causa-efeito.


A PARTICIPAÇÃO DAS DOENÇAS PROFISSIONAIS

Devido, entre outros fatores, a esta dificuldade de estabelecer as relações de causa-efeito, a própria Direção-Geral de Saúde (DGS) lançou uma campanha de sensibilização dirigida aos médicos para alertar quanto à obrigatoriedade de efetuar o diagnóstico e a participação da doença profissional.

Segundo a própria DGS, “embora a participação da doença profissional seja da responsabilidade de todos os médicos estima-se que só uma pequena parte das doenças profissionais seja participada ao Instituto de Segurança Social, o que impede que sejam acionadas as necessárias medidas preventivas e corretivas no local de trabalho”. 

Esta participação da doença profissional é de crucial importância, pois é ela que permite desencadear não só o processo de certificação e reparação dos danos emergentes da própria doença profissional, mas também a recolha de dados sobre esta realidade, dando uma maior relevância à importância das ações de promoção da saúde do trabalhador e permitindo o desencadear de uma estratégia preventiva no contexto da saúde ocupacional.
 

A participação da doença profissional é de crucial importância para desencadear a reparação dos danos e de estratégias preventivas.

 

A PROBLEMÁTICA DA AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DAS EMPRESAS

As organizações utilizam, já por si, formas pouco didáticas e preventivas para medir o investimento em boas condições de trabalho, tendo-se generalizado um modelo de avaliação de desempenho por demérito, em que a ocorrência de acidentes é que determina o desempenho, materializando-se em índices de frequência e gravidade.

Se esta situação é enviesada e não permite premiar quem cumpre, se juntarmos aos índices dos acidentes de trabalho o ónus das doenças profissionais, o cenário piora mais ainda. Como vimos, muitas das vezes as ocorrências são ocultadas ou redirecionadas para o SNS, seja por dificuldade no estabelecimento das relações de causa-efeito, seja para não constarem no relatório único (RU) das empresas considerando que é a única métrica disponível para aferir o desempenho das empresas em matéria de segurança e saúde e se nada constar nas estatísticas o resultado das empresas, neste âmbito, será positivo.

O facto das doenças profissionais serem silenciosas e difíceis de identificar permite que as atitudes decorrentes das irresponsabilidades na implementação das condições de trabalho não onerem as empresas (porque o pagamento e o ónus não
são assumidos por estas) e não permitam expurgar, no seio da sociedade, os seus efeitos porque são caraterizadas como qualquer outra doença e, como tal, são tratadas no SNS.
 

NOVOS CENÁRIOS

Resultantes da rápida globalização, as mudanças tecnológicas, sociais e organizacionais no local de trabalho fazem-se acompanhar de novos riscos e desafios. Embora alguns riscos tradicionais possam ter diminuído, fruto de avanços tecnológicos, melhorias na segurança e uma melhor regulamentação, continuam, como vimos, a provocar danos inaceitáveis na saúde dos trabalhadores.

Paralelamente, novas formas de doenças profissionais estão a aumentar sem que se implementem medidas adequadas de prevenção, proteção e controlo. Entre os riscos emergentes contam-se, por exemplo, deficientes condições ergonómicas, exposição a radiação eletromagnética e riscos psicossociais.

Verifica-se um aumento da problemática decorrente da agravante relacionada com a presença dos riscos psicossociais, considerando que é um cenário pouco estudado, dificultando a tarefa de controlo do fenómeno e, consequentemente, afetando, de forma mais severa, as pessoas e a sociedade, podendo levar a casos extremos como o suicídio.

Estima-se que 50% a 60% de todos os dias de trabalho perdidos possam ser atribuídos ao stresse e aos riscos psicossociais. Trata-se do segundo problema de saúde relacionado com o trabalho mais frequentemente reportado na União Europeia, imediatamente a seguir às perturbações músculo-esqueléticas.


RISCOS EMERGENTES E NOVOS DESAFIOS

Atualmente, e considerando as mudança no mercado de trabalho, a problemática das doenças profissionais não diminuiu; muito pelo contrário, tem tendência a aumentar e a onerar, de forma mais violenta, as pessoas, as empresas e a sociedade.
 
As patologias decorrentes da presença de novos cenários, como as decorrentes dos riscos psicossociais nos locais de trabalho, geram novos riscos de consequências imprevisíveis relacionados com a capacidade mental do ser humano - que são mais difíceis de percecionar e de maior complexidade técnica e de diagnóstico - fazendo aumentar o problema considerando que é ainda mais difícil relacionar a causaefeito que lhes deu origem.

Também as novas formas de percecionar o trabalho comportam riscos associados ao nível, fundamentalmente, da saúde mental dos trabalhadores. Os riscos psicossociais estão associados às consequências psicológicas, físicas e sociais adversas resultantes de aspetos como: trabalho excessivamente exigente; tempo insuficiente para concluir as tarefas; trabalhar sozinho; falta de apoio por parte das chefias e dos colegas; entre outros aspetos que constam em publicações e sites como o da campanha Locais de Trabalho Saudáveis Contribuem para a Gestão do Stresse - https://www.healthy-workplaces.eu/

É fundamental recordar que antigamente os problemas relacionados com a falta de condições de trabalho eram materializados na forma de acidentes (havia sangue) e, consequentemente, eram visíveis, fazendo com que mais tarde ou mais cedo a sociedade se apercebesse do flagelo e pudessem ser desenvolvidas políticas para contrariar esta tendência. Atualmente o paradigma é outro, o problema é silencioso e os neurónios “não sangram”, dificultando a perceção técnica e política deste assunto e levando às consequências negativas de uma má gestão dos riscos psicossociais que abrange todos os quadrantes.

Estas consequências negativas têm impacto tanto no próprio trabalhador (conduzindo, entre outros, a problemas físicos e psíquicos, esgotamento, depressão, problemas na vida pessoal,...) como também nas organizações, por conduzirem a desempenhos genericamente fracos e ao aumento de cenários de absentismo e, sobretudo, de presentismo.
 

A IMPORTÂNCIA DA PREVENÇÃO

Reconhecer o problema a todos os níveis é o primeiro passo para a prevenção. É determinante que os órgãos legislativos, as organizações e o próprio indivíduo se envolvam na implementação de políticas sustentadas de prevenção para evitar a ocorrência de doenças profissionais que oneram a sociedade de forma mais severa do que as ditas doenças de saúde pública.

As metodologias de identificação de perigos e avaliação de riscos (IPAR) precisam de ser adequadas, nomeadamente os perigos identificados devem ser suficientemente abrangentes e devem considerar esta problemática. Se as metodologias de IPAR não identificarem os novos perigos, os riscos ficarão por avaliar.

Numa primeira fase será necessário desenvolver planos pouco ambiciosos para garantir que são exequíveis, permitindo começar a interiorizar os princípios no seio, sobretudo, das organizações. Após esta fase os programas deverão ser conduzidos como qualquer outro sistema cuja exigência e validação dos métodos devem ser sempre questionadas face ao pouco domínio do assunto.

É importante continuar a apostar na promoção da segurança e saúde do trabalho, promovendo o desenvolvimento de competências que permitam uma atuação proactiva a diferentes níveis da sociedade. A prevenção é um investimento seguro que, segundo dados da Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho, permite um retorno de até 4,81 € por cada Euro investido.

Os benefícios decorrentes de manter os riscos controlados e os locais de trabalho seguros e saudáveis não são apenas bandeiras que devem ser erguidas, mas uma responsabilidade social que irá beneficiar toda a sociedade.

O alargamento dos anos de vida ativa, as novas formas de trabalho e as novas forma de sermos “vítimas” do trabalho podem e devem ser trabalhadas diariamente para permitir um aumento da satisfação a nível individual, uma mão-de-obra saudável, motivada e produtiva e, consequentemente, uma sociedade mais sustentável.


Luís Coelho, Diretor Geral da CEDROS


Leia a versão integral na edição da digital da PROTEGER #24.

Os Riscos Psicossociais

De acordo com a Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho (EU‑OSHA), “os riscos psicossociais decorrem de deficiências na conceção, organização e gestão do trabalho, bem como de um contexto social de trabalho problemático, podendo ter efeitos negativos a nível psicológico, físico e social tais como stresse relacionado com o trabalho, esgotamento ou depressão”. 

Estes efeitos negativos a nível do indivíduo, refletem-se a nível do grupo em que está inserido e nos resultados alcançados coletivamente. A informação e motivação da entidade patronal e dos trabalhadores para a promoção de um ambiente de trabalho seguro é fundamental para desencadear uma gestão que promova a mitigação dos riscos psicossociais.

A prevenção da exposição do trabalhador a riscos psicossociais, à semelhança do que acontece na prevenção dos diferentes tipos de riscos profissionais, reduz o absentismo e custos com a saúde, aumentando a eficiência, a produtividade e o bem-estar dos trabalhadores, da empresa e da sociedade.

O controlo dos riscos psicossociais deve ter por base a identificação dos fatores de risco e respetiva avaliação do risco, com adoção de medidas corretivas e preventivas, a nível individual, organizacional ou de interface individual-organizacional, que permitam controlar o risco, à semelhança do que é feito para os outros tipos de riscos presentes no local de trabalho (ex. riscos químicos).

É também importante identificar a montante que alterações na organização podem fomentar os riscos psicossociais, assim como as consequências possíveis, por forma a definir que medidas preventivas devem ser implementadas, monitorizando a eficiência das mesmas.

A OIT aconselha ainda a maior autonomia dos trabalhadores no que diz respeito às suas tarefas e uma aposta na melhoria da comunicação organizacional de forma a permitir a participação dos trabalhadores na tomada de decisões. Outra medida sugerida pela OIT passa pela  implementação de sistemas de apoio social aos trabalhadores no local de trabalho, atendendo à interação entre desempenho no trabalho e as condições de vida dos trabalhadores.

A valorização da atividade de segurança e saúde dentro da organização contribui de uma forma geral para o controlo dos riscos psicossociais, na medida em que valoriza a segurança do trabalhador e o seu bem-estar.

 
O stresse relacionado com o trabalho

O stresse é conhecido como a “doença moderna”, sendo que as suas causas, sintomas e consequências, embora objeto de vários estudos, não são, contudo, lineares. As causas do stresse podem ser de origem ambiental, psicológica, organizacional, fisiológica ou social, envolvendo não apenas a dimensão do indivíduo em si e as suas relações, mas também a organização e a sociedade em que está inserido. Como tal, o stresse no trabalho pode não ser só provocado por fatores de risco psicossocial no trabalho, mas também por questões pessoais do indivíduo ou fatores sociais.

De uma forma geral, o indivíduo sente stresse no trabalho quando entende que existe um desequilíbrio entre as exigências que são impostas e os recursos físicos e mentais de que dispõe para dar resposta. Os efeitos do stresse a nível do indivíduo podem ser de caráter emocional (irritabilidade, ansiedade, mau humor, isolamento, relacionamento com os colegas), cognitivo (dificuldade de concentração, memória, dificuldade em aprender coisas novas e em tomar decisões), comportamental (hábitos nervosos, falta de pontualidade, consumo de drogas ou outros excessos, instabilidade, isolamento, negligência, violência) ou ainda problemas de saúde ou mentais. O esgotamento físico de caráter depressivo relacionado com o trabalho, e resultado da exposição a um stresse extremo, é conhecido como Síndrome de Burnout.

Embora o stresse não seja uma doença per si, pode causar perturbações no organismo que, por sua vez, podem provocar danos a longo prazo nos sistemas e órgãos do corpo. O stresse pode estar na origem do desenvolvimento de úlceras pépticas, doenças inflamatórias do intestino e lesões músculo-esqueléticas, bem como hipertensão e desenvolvimento de doenças cardíacas ou cardiovasculares.

O stresse pode ainda debilitar o organismo, alterando as suas funções imunitárias e tornando o indivíduo mais suscetível a doenças. O impacto destas perturbações é potenciado pela falta de descanso que permita a recuperação do organismo.

Relativamente aos efeitos a nível da organização, o stresse pode aumentar e prolongar o absentismo, especialmente por motivo de doença, reduzir o desempenho, aumentar a rotatividade negativa dos trabalhadores e o número de acidentes de trabalho.



Alguns fatores associados aos riscos psicossociais

 
  • Cargas de trabalho excessivas;
  • Exigências muito altas ou muito baixas em relação às competências;
  • Exigências contraditórias e falta de clareza na definição das funções;
  • Falta de participação na tomada de decisões que afetam o trabalhador e falta de controlo sobre a forma como executa o trabalho;
  • Intimidação, assédio moral ou sexual e violência de terceiros;
  • Discriminação (por género, idade, etnia, nacionalidade, deficiência, orientação sexual, etc.);
  • Relações hierárquicas;
  • Má gestão de mudanças organizacionais, insegurança laboral, estagnação da carreira, remuneração baixa;
  • Comunicação ineficaz na organização.


Ana Cristina Rodrigues, APSEI
 

Leia a versão integral na edição da digital da PROTEGER #24.

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